lunes, 19 de julio de 2010

dança guerreira do ladja

A história entre o oficial e o lendário: interações culturais no Oiapoque*
The history between official and legend: cultural interactions in Oyapock
Carlo Romani

Um trajeto que era realizado tanto pelos caboclos e negros brasileiros seguindo em direção ao norte, como
pelos garimpeiros que vinham da Guiana Francesa.16 Ora, essa circulação de pessoas existente durante todo o século XIX proporcionou uma profunda circulação de culturas que nos permite falar em uma interação caribenhoamazônica. Portanto, se ritmos musicais mais contemporâneos como o regaee e o zouk difundem-se significativamente nos estados brasileiros do Maranhão e Amapá, respectivamente, também os ritmos regionais amazônicos alcançaram, em outros tempos, senão o Caribe, pelo menos toda a região das Guianas. O pesquisador de contos nativos amazônicos, Peregrino Jr., encontrou váriosritmos costeiros paraenses na região do alto rio Trombetas, na fronteira do Brasil com a Guiana e o Suriname. No conto Carimbó ele nos fala que:
O batuque, o urucungó, o carimbó acordavam nas solidões misteriosas
das florestas amazônicas as vozes nostálgicas das praias africanas,
cheias de ritmos lentos, ondulantes, preguiçosos [...]
Mamá-cumandá
É bumbá!
Açu-babá-açú-bebé
É bumbá! (PEREGRINO JUNIOR, 1929 : 59)
O ritmo do carimbó no Pará parece ter influenciado não somente a música e a dança dessas populações descendentes dos antigos mocambos, bem como deu a levada das lutas populares e de defesa pessoal dessa gente. A pouca difusão do berimbau na costa paraense, fez com que a tradicional luta praticada entre os escravos, nessas terras, se fundisse com a dança do carimbó, misturando os estilos e criando uma outra luta. Para Vicente Salles, estudioso da cultura afro-brasileira:

[...] a capoeira não evolui, no Pará, para um tipo de exercício ou jogo atlético que permitisse sua sobrevivência, como ocorreu particularmente na Bahia. Dela restou a pernada ou rasteira que, acrescida da cabeçada, constitui uma espécie de luta popular, característica no Marajó com expansão para o Amapá. (SALLES, 1994:  29-30)
Assim, a estranheza que causava nos Pennafort ouvir o carimbó em plena selva da Guiana mostra-se algo bastante natural, provocado pela intensa circulação de pessoas ocorrida naquelas bandas. O que talvez o jovem Rocque não pudesse imaginar é que, desde muito antes da chegada de sua família e do Estado brasileiro ter-se interessado pela colonização daquela região, seja por motivos econômicos ou de segurança nacional, já existia um fluxo natural de povoamento realizado pelas populações mais desprezadas dentro do conceito daquilo que vulgarmente se convencionou chamar de civilização. Para Rocque a história no Oiapoque inicia-se com a chegada do Governo e da colonização oficial, daí seu espanto com a circulação de diferentes culturas que lá encontrou e não compreendeu sua origem. Essa influência cultural trazida pelos brasileiros encontrou-se, nesse vai e vem incessante promovido pelos habitantes deserdados, com a música, a dança e os costumes vindos do norte. Alguns naturais da própria Guiana, e outros das ilhas francesas do Caribe.......................................  Os antilhanos que fundaram a Martinica do Oiapoque trouxeram para o lado brasileiro do rio toda essa influência cultural, especialmente aquela que se construiu através da dança e da música tocada pela camada mais pobre da população. Da kalenda martiniquesa para o kasecó guiano, passando pela dança guerreira do ladja. A defesa dessas populações, às vezes emboscadas por salteadores em ataques na beira do rio, quando saiam do confronto armado e iam para a luta corporal ao solo, fazia-se valer dos movimentos acrobáticos originados dessa dança. Os primeiros romances escritos no dialeto créole, Atipa (de 1885) e Nuits de Cachiri, descrevem cenas do ladja praticado pelos antilhanos em suas aventuras em busca de ouro (PAREPOU, 1980).http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/viewFile/3296/4184